DAN BROWN – O CÓDIGO DA VINCI
Quem é o herói da história?
Dependendo do autor, as entrelinhas fazem parte de uma arquitetura maravilhosamente concebida, onde nada é de graça. Ou então podem servir para revelar preconceitos medonhos, de autores que nem de longe imaginaram as implicações contidas em sua obra. Ou será que imaginaram?
No caso, quem é o herói?
Lamento decepcionar quem respondeu que é o Robert Langdon.
Nós, os leitores – da mesma forma que alguns escritores –, podemos deixar passar muita coisa batida. Às vezes embarcamos em um avião sem desconfiar que ele parte para um destino diferente.
Qualquer que seja a conclusão final, ela pertence ao sagrado direito de concordar ou não com aquilo que o inaudito por vezes se faz anunciar. O inaudito que esse livro sussurra é o seguinte: você pode ter adotado como herói um sujeito etnocêntrico, racista e fascista. Esse é o tal do Robert Langdon.
Simples assim: o autor criou um sujeito bonitão, intelectual, charmoso, necessariamente solteiro, e que decide omitir da humanidade uma descoberta científica e histórica, porque julga que os homens não estão preparados para lidar com seu conteúdo. Ele decide quem pode e quem não pode saber, quem deve ou não deve lidar com a verdade. É um sujeito acima do bem e do mal, além da moral.
Agora vamos ver como se sai o vilão: Leigh Teabing considera que o conhecimento deve ser compartilhado, e que, afinal, a cultura é patrimônio de todos. Ele é um sujeito aleijado, grotesco, feio, antipático, indesejável, sem libido. Para desgraça das ironias, apesar disso, Ian McKellen é um monstro de bom ator, que rouba qualquer cena.
Seria suficiente parar por aqui. Mas torna-se tão clara, evidente, certeira e inconteste a distinção que o autor faz entre o herói (o capitão américa da cultura) e o vilão (aquele que ousa crer nos princípios civilizatórios e na igualdade entre os homens), que dá vontade de insistir um pouco mais.
Os devaneios etnocêntricos do autor (pouco importando a intenção dele), acaba por negar os princípios fundadores de seu próprio país; se esquece que a ciência, nos Estados Unidos, tem sido, desde sempre, feita com a participação de sobrenomes hebraicos, orientais, eslavos, italianos e até mesmo brasileiros. Mas essa cambada de gente – talvez um mal necessário –, talvez devessem ser todas conduzidas e mediadas pelo intelectual-texano-prototípico. Isso não dá para engolir.
É bom lembrar que não precisa ser assim. Na verdade, não é assim. Porque nos EUA tem Miller (os dois), Hemingway, Faulkner, Steinbeck, Passos, Lewis, tem gente boa para cacete e que não incorrem nesses fascismos baratos nem enfiam na cabeça da gente mensagens subliminares de superioridade racial.
Afinal, quem foi que não se encantou com o charme do Robert Langdon (no livro ou no filme) enquanto pensava, nos recônditos dos mundos do hemisfério sul, “ahh... se tivéssemos gente assim por aqui...”.
Não é legal a gente ouvir falar assim dos nossos heróis. Eu tenho um monte deles. Mas, se sob a máscara do cara bacana existe um sujeito deformado, fazer o quê? O faz de conta não prescinde de verossimilhança ética.
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