Filme Filhos da Esperança, Alfonso CuarónGrande Sertão Veredas, Guimarães Rosa
Um filme que vai muito além da xenofobia, pois trata também da crise de transmissão.
Aconteceu no mundo inteiro. As taxas de natalidade foram declinando, os raros nascimentos transformaram maternidades e pré-escolas em prédios fantasmas, até o momento em que a infertilidade foi completa. O último menino nasceu em Buenos Aires e já é um adolescente. A última geração da humanidade caminha para o envelhecimento. Assim Cuarón dá partida no filme.
É instigante comparar com os dados publicados agora em maio de 2018, em uma reportagem da BBC, que cita uma queda mundial e sistemática da qualidade do sêmen. É muito cedo para qualquer conclusão sobre as origens (agrotóxicos, plásticos, poluição etc), ou consequências do aumento na infertilidade masculina, pois não é catastrófico por enquanto. Mas dá um sabor muito interessante assistir ao filme depois de ler essa notícia.
Em Os Filhos da Esperança, quando a humanidade não consegue mais procriar, o caos se faz no mundo através de guerras generalizadas, conflitos e esfacelamento da cultura. A Inglaterra é o último reduto da civilização. Enquanto os outros países se destruíam, Londres fortificou suas fronteiras e saqueou o que restou das obras de arte. Davi, de Michelangelo (com um pedaço a menos), foi resgatado pelo exército britânico e agora enfeita a sala de um dirigente político. Ele sabe que será o último a contemplar a obra.
Porém a segurança de Londres é garantida por um governo totalitário, deportações em massa, violência policial, assassinatos e construção de campos de concentração medonhos, para onde são enviados, na base de porrada, todos os estrangeiros.
É um grito de Cuarón contra a xenofobia e o ódio aos estrangeiros. Principalmente os muçulmanos. Isso é evidente.
Mas há outra abordagem:
Em um mundo contaminado pela crise na transmissão, onde pais não sabem, ou temem, ou se acovardam em seu papel de legar a cultura aos que nascem, e onde mistificações pedagógicas negam o papel do legado, é como se nenhuma criança mais nascesse.
No filme, o caos se instala quando não há mais futuro possível. Na vida fora da ficção, a negação do passado é a maneira mais segura de jogar o mundo no caos.
O medo ou a insegurança de dizer aos filhos como o mundo deve ser, acaba por anular a possibilidade de que esses valores sejam um dia questionados. A cultura não se faz pela tábula rasa. Negar a transmissão é negar o futuro e o sentido principal da vida humana: a re-novação.
Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, dizia que:
“Um menino nasceu.
O mundo tornou a começar”.
Mas quem narrava isso era... um professor. Encaixa-se com perfeição ao filme.
Palavras fundamentais: nascer, gerar, sêmen, semear, seminário. Mama, mãe, comadre, parir, apartar. Maternidade não é só gestação e o ato de dar à luz. É também a arte de ser mãe, que é coisa transmitida pela experiência e trocas humanas. Maternidade é coisa que dura muito mais que o momento do parto.
Fazer de conta que não temos a obrigação do limite ou omitir a condição humana, é garantia de sofrimento para as crianças. Auto engendramento é um equívoco tão grande quando dar de mamar através da imagem do seio em um tablet.
As crianças não começam do zero nem se desenvolvem do zero. A história também não, com toda a civilização e barbárie que carregamos em nossas retinas cansadas e que, apesar disso, desejamos um mundo melhor para nossos filhos da esperança.
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