Martin Scorsese – O Lobo de Wall Street.
O auditório está cheio. A plateia catatônica não dá um pio enquanto o homem fala. Eles irão à loucura.
Carlos Fuentes – Cristóvão Nonato
Martin Scorsese – O Lobo de Wall Street.
O auditório está cheio. A plateia catatônica não dá um pio enquanto o homem fala. Os olhos brilham e aguardam o momento em que o palestrante liberará a catarse. Eles irão à loucura.
Ele promete ensinar o caminho para o dinheiro, poder e mulheres. Alguns anos antes esse homem, o lobo de Wall Street, fora preso depois de surrupiar a riqueza de um monte de gente. Afinal, se o cara que está me vendendo o sonho, tem uma Ferrari e um baita iate, porque eu também não posso?
O cara que roubou todo mundo agora quer ensinar os outros a enriquecer. As pessoas pagam caro para ouvi-lo.
No filme Magnólia, de Paul Thomas Anderson, o palestrante representado por Tom Cruise alucina o público com um espetáculo de machismo e degradação feminina. Ele oferece o man cock power para que os homens conquistem as mulheres. O teatro está cheio.
Como disse um amigo sábio: ofereça a solução de todos os problemas, e você conquistará o mundo. Porque ele, o mundo, é difícil e duro com os sonhos. As frustrações fazem parte dele, e, muito embora talvez pudessem ser em uma dose menor, elas são inevitáveis.
Na contramão das ilusões, existem homens habilidosos à espreita para esviscerar o que puderem.
No mundo real, nos Estados Unidos em 2008, uma multidão perdeu suas casas. Uma orgia de irresponsabilidade, fraude e ganância criou uma população de fodidos e desempregados.
A confusão teve o patrocínio de banqueiros tradicionais, seguradoras, bancos de investimentos, agências de classificação de risco e agentes públicos.
A saída da confusão teve o patrocínio do dinheiro dos novos pobres, que um dia foram da classe média. O governo salvou os bancos com dinheiro público e nada faz em relação às casas confiscadas, aposentadorias destruídas e fundos de pensão arruinados. Na ocasião, alguns propuseram a regulamentação do setor financeiro, porque, afinal, aquela turma tinha ido longe demais.
Oito anos depois, o novo presidente trata qualquer ideia de regulamentação como se fosse um tumor cerebral do tamanho de uma jaca. A vida segue. A mais recente novidade, para não desagradar a turma do lóbi das armas, é a sugestão para que professores se armem em sala de aula.
Ao sul da fronteira, os livros de Carlos Fuentes dialogam bastante com o grande irmão do norte, pois a vida no México é muito entrelaçada com os Estados Unidos, e a desfaçatez circula entre as fronteiras.
Vinte e um anos antes do estouro da bolha do mercado imobiliário, Carlos Fuentes nos deixou essa pérola, em Cristóvão Nonato:
Trata-se do poderoso personagem Ulises López, que, se fosse no Brasil, seria uma mistura de empreiteiro com banqueiro com diretor de autarquia com dono de plano de saúde com político.
“ – Fiz a minha fortuna de acordo com o lugar e os costumes – costumava dizer, e ninguém desmentia.
...criou impérios financeiros no México e no estrangeiro, extensos labirintos de papel dentro de pirâmides de créditos não assegurados e companhias que só detinham documentos com base na promessa petrolífera do país.
...depositou dinheiro a rodo na Europa e Estados Unidos, mas foi o primeiro a pular como uma mola pra aplaudir quando em 1982 López Portillo nacionalizou os bancos e denunciou os exportadores ilegais de dólares: em suma, todos os denunciados estavam ali mesmo, aplaudindo entusiasticamente a denúncia...”
Depois de fazer tanta merda, Ulises foi punido? Que nada. Ele virou ministro de estado.
Eis a sua filosofia de vida:
“Em público: – Não importa quem faça fortuna, desde que pague os impostos.
Em particular: – Estou disposto a perder todo o dinheiro do mundo, desde que não seja o meu.
Em público: – O poder só se justifica para servir aos outros.
Em particular: – Só se desfruta do poder sem justificativas, como do sexo.
Em público: – A produção somos todos nós.
Em particular: – Este país se divide em produtores e parasitas. Eu não tinha nada em Guerrero. Me fiz sozinho. Ningúem nunca me deu uma tortilha de graça.
Em público: – A justiça distributiva estimula a produção.
Em particular: – O governo só deve ajudar os ricos.
Em público: – A grandeza do país é feita por cem milhões de mexicanos.
Em particular: – A grandeza de Ulises López se faz sobre cem milhões de babacas.
Em público: – como dizia o poeta, ninguém deve ter o supérfluo enquanto alguém careça do necessário.
Em particular: – Quem necessita de um Jaguar ou de um Porche para sobreviver? Eu! Pra quem um vidro de 1 litro de Miss Dior é uma questão de vida ou morte? Pro papaizinho aqui!”
O mais instigante é que, nesses tempos de esvaziamento político e paixões particularistas fúteis, a realidade retratada por Carlos Fuentes, corriqueira no terceiro mundo, torna-se profecia para o grande irmão do norte. Eles estão nos alcançando nas artes da infâmia como nunca.
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