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EDUARDO GALEANO – O SÉCULO DO VENTO | Filme A MARCHA - direção Nabil Ben Yadir - França

R.Colini

EDUARDO GALEANO – O SÉCULO DO VENTO | Filme A MARCHA - direção Nabil Ben Yadir - França

Nosso inimigo principal é o medo.

Galeano:

1978 - LA PAZ CINCO MULHERES
“– O inimigo principal, qual é? A ditadura militar? A burguesia boliviana? O imperialismo? Não, companheiros, eu quero dizer só isso: nosso inimigo principal é o medo. Temos medo por dentro.
Só isso disse Domitila na mina de estanho de Catavi e então veio para a capital com outras quatro mulheres e uma vintena de filhos. No Natal começaram a greve de fome. Ninguém acreditou nelas. Vários acharam que esta piada era boa:
– Quer dizer que cinco mulheres vão derrubar a ditadura?
            O sacerdote Luis Espinal é o primeiro a se somar. Num minuto já são mil e quinhentos os que passam fome na Bolívia inteira, de propósito. As cinco mulheres, acostumadas à fome desde que nasceram, chamam a água de frango ou de peru, de costeleta o sal, e o riso as alimenta. Multiplicam-se enquanto isso os grevistas de fome, três mil, dez mil, até que são incontáveis os bolivianos que deixam de comer e deixam de trabalhar e vinte e três dias depois do começo da greve de fome o povo se rebela e invade as ruas e já não há como parar isto.
As cinco mulheres derrubam a ditadura militar.”

 

O ano é 1983. Ou seja, foi ainda ontem. A polícia é racista. Quando mata, costuma sair ilesa. Através do exemplo que vem das instituições, alguns rapagões espancam com gosto e jogam um imigrante pela janela de um trem em movimento. Como se fosse só por provocação, a vítima tem o mau gosto de morrer, criando constrangimento para os executores.

Nessa época, meia dúzia de jovens desconhecidos, que nunca saíram além dos quarteirões de seus guetos, decidem cruzar a pé a França de ponta a ponta, chamando mais gente para sua causa e, principalmente, dizendo a quem estivesse disposto a ouvir: que eles não aguentavam mais.

Enquanto os dias se passavam, e ninguém aparecia para engrossar a marcha, mais e mais abandonados se sentiam, ridículos e envergonhados por fazer um papel que beirava o patético. Só eles na rua, com um tipo de kombi velha. Ninguém se importa.

 Além disso, durante a marcha foram atacados pelos supremacistas e ignorados por aqueles que em teoria defendiam seus interesses: as entidades e ONGs que diziam defender os imigrantes.

Mas não desistiram. É uma história muito boa, que se aproxima daquela relatada por Eduardo Galeano. Está no filme A MARCHA.

A história não dorme nunca.

A má história é um cão irrequieto, preso por frágeis correntes prestes a se partirem.

A má história se alimenta das omissões.