MORTE PARDA
Em 1973 um crime paralisou o país. A repercussão foi gigante, e ficou pior ainda quando surgiu o nome do principal suspeito.
Em 1973 um crime paralisou o país. A repercussão foi gigante, e ficou pior ainda quando surgiu o nome do principal suspeito. Era um peixe graúdo demais. Por causa disso, pela primeira vez durante a ditadura os militares mandaram censurar notícias da editoria policial.
Ninguém podia mais falar no assunto, mas um delegado idealista resolve levar a investigação até o final.
Antes de ser nomeado para esse caso, Pádua vivia no Rio de Janeiro e havia confrontado o jogo do bicho, em uma investigação que virou um assunto pessoal. Contra as orientações superiores, complicou a vida de um bicheiro, o que lhe valeu o banimento e a transferência para Brasília.
Por um motivo obtuso, ele será o escolhido para assumir a investigação do crime que chocava o país.
O que ele não sabia, é que aquele que o escolheu para o cargo trabalhava nos bastidores para o fracasso da investigação.
“No segundo ano, os resultados de seu distrito eram exemplares e chamaram a atenção do governo, porque, de forma geral, a segurança pública descia esgoto abaixo. Pádua calculava o momento da subida na carreira, e com ela, a guerra sem trégua aos verdadeiros responsáveis pela mixórdia que ocultava a face do terror. Enquanto isso, na região enorme onde se espalhava a Baixada Fluminense – ele era apenas um dos delegados e muitas eram as delegacias –, a população equilibrava-se no fio de navalha, entre mandíbulas de cão raivoso onde era tudo a mesma coisa: polícia e traficante, delegados e bicheiros, bandidos e agentes da repressão política.”
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“...e chegando ao primeiro cadáver, depois, outros, sempre a morte parda e jovem, corpos em estranhos mosaicos estirados pelas ruas, e o detetive me indagando com os olhos, "e agora, sabichão, vai fazer o quê?", e os jornais cobrindo o corpo com as notícias das páginas opostas se misturando na transparência do papel molhado, e, a respeito do cadáver, ninguém sabe quem é, bolsos sem documentos, e ninguém nunca sabe, ninguém nunca viu.”
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“Foi nessa época, em que Pádua ia completar três anos armazenando conhecimento para uma guerra, que a guerra chegou antes, quando topou de frente com quem mandava ali, e mandava bruto, porque nunca conseguiu nem chegar perto, jamais testemunha, jamais depoimento, jamais flagrante, só o medo das pessoas. Foi nesse tempo que apareceu o corpo da menina do bicheiro, e que ele agarrou Teresa com força na cama.”
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“Depois que eles partiram, Pádua ficou sob o sol das duas da tarde, que esquentava seus cabelos a porto de arder a mão quando a colocava sobre a cabeça. Mirava a estrada ao longe, na direção de Brasília, e o asfalto quente na linha do horizonte parecia molhado, uma miragem que parecia mais real do que o que viveu nos últimos dias. Seria mais fácil encontrar água vertendo do asfalto do que expor as entranhas de uma ditadura que se protegia. Esteve perto de colocar em xeque um regime de uma forma que nem os guerrilheiros, nem a imprensa independente operando no exterior, nem as denúncias das atrocidades que circulavam pelo mundo conseguiam alcançar, porque essas coisas não comoviam uma população que aderiu por inanição. A investigação que conduziu talvez tivesse produzido mais efeito: poderia, quem sabe, provocar a solidão do tirano, isolado em um buraco de indiferença e ódio. Ou então um sentimento de medo irracional e contagiante de que todas as crianças do país correriam semelhante risco.”
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